9/26/2006
9/23/2006
Fingerprints*

Joan Miró - Personnage Blessé
Atravessei a madrugada. Os olhos grandes. A água. Os dedos. Atravessei a madrugada como quem grita, sendo mudo. A noite imensa. A escuridão de quem é cego. E depois a luz. O dia. Então dormi como os animais dormem. De um sono cego. De um sono mudo. E acordei como acordam os animais esquecidos. Sem olhos. E sem boca. Inexistente. A dor como uma faca. O sangue. Um rio. E odiei como odeiam os animais feridos. Com a força cega. Com o sangue quente. Com os dentes todos. Com as patas levantadas. E odiei como os animais odeiam. E gritei como os mudos gritam. Girassol. Vento. Estrela. Sangue. Noite. Mãos. E nunca mais vi o mundo. Pela primeira vez. E nunca mais ouvi a música. Pela primeira vez. E nunca mais toquei. Pela primeira vez. E nunca mais acabo de morrer.
* Chick Corea (5:20) in 'Past, Present & Futures'
9/21/2006
Once I Loved*

Georgio De Chirico - La nostalgia dell'infinito
A única evidência, além da música, é que o amor é a coisa mais triste, quando se desfaz**. Sei quase nada. Mas sei. Dessa infinita tristeza. Dessa nostalgia infinita. Sermos pequenos como as nossas sombras. E desejarmos abismos. Sei dos abismos e das alturas. E das vertigens e das quedas. Sei até das mentiras. E das verdades mais duras. Sei quase nada. Apenas sei (porque me ensinaram) que pensar é estar doente. Dos sentidos. Mas pior. A única evidência, além da música, são as palavras apagadas uma a uma. Sei da nostalgia. E da inquietude. E da esperança. Sei do infinito das paixões violentas. E do instante do amor em paz.
* Shirley Horn (6:50) in 'Close Enough For Love'
** Tom Jobim e Vínicius de Moraes O Amor em Paz, de que a música que toca é uma versão.
9/18/2006
The Wind*

Jackson Pollock - Autumn Rhythm
Só isto. Por uma vez. Só isto. Ouvir o vento. E estar certa. Não sei que coisas transporta o vento. Mas penso que música. Definitivamente música. Mas parece que também um coração partido. Daquele exacto modo em que as flores se partem, depois de quebradas por um excesso de água. Ou uma extrema ausência. Não sei que coisas traz o vento. Definitivamente a música. Incertamente uma flor partida. Um coração quebrado por uma extrema ausência. De si mesmo. O vento traz. Talvez. A inconstância dos dias em que temos que ser. Mais. Para além do vento. Em que temos que ser. A flor partida. O coração quebrado. A música que estranhamente se vai esvaindo. Só isto. Por uma vez. Só isto. Ouvir o vento. E estar certa. Que as flores se partem. E. As folhas dançam no Outono exactamente ao mesmo ritmo que os corações quebrados batem. Ouvir o vento e estar certa. De que sou daqui. E as pessoas daqui... sabem? As pessoas daqui não são iguais às outras. São estranhas pessoas. As que ouvem o vento. E únicas. De certo modo únicas. Como é único cada movimento. Do vento.
* Quoyle (4:03 ) Round About Midnight
9/14/2006
Inquietude*

Anselm Kiefer - Cette obscure clarté qui tombe des étoiles
Sabemos dos truques das estrelas. Carregamo-los dentro. Como intermitentes brilhos. De mágoa. E felicidade. Intermitentes. Sabemos que a luz das estrelas pode ser obscura. E que é por baixo da luz que, tantas vezes, encontramos os lugares da mais profunda escuridão. Esses lugares de tão intensa claridade. Que nos fazem fechar os olhos e querer. Desaparecer. Deixar de ser. Deixar de sentir. Ficar como antes. Com uma claridade vulgar. Uma vulgar escuridão. Não ter. Não ver. Não perceber. Sabemos. Dos truques das estrelas. Dos seus intermitentes brilhos. Da sua instável condição. Morrer primeiro para que tudo possa ser claro. Dessa inquietude profunda. De haver. Para além de um escuro céu sereno. O brilho.
* Bernardo Sassetti (3:54) in 'Indigo' - Disco 1
9/11/2006
Over the Rainbow*
9/06/2006
Solitude*

Anselm Kiefer - Innenraum (Interior)
Um quarto. Vazio. Eu. Encontrei a minha casa. Longe demais. Longe. Haverá sempre música bastante. Não sei que histórias conte. A solidão levar-nos-á para sempre. Aos lugares que conhecemos. Já. Um quarto. Vazio. Na minha longínqua casa. Agora encontrada. Sobre o vazio. Dentro. Haverá sempre música. E uma voz. Longe. A minha casa.
*Abdullah Ibrahim (0:16) in 'African Magic'
9/01/2006
Misty*

Gustav Klimt - The Kiss
O desejo de uma boca não é grave. Mas é aguda esta pontada de espanto com que te vejo advinhar-me os passos. Os passos interiores. À tua volta. Vou fumar. Vou fumar, para que me passe esta grave vontade de que continues advinhando os meus lábios. Imaginando com os dedos a forma como te respondem quando perguntas se acredito que sentes exactamente o que eu penso. O desejo de uma boca não é. Grave. Mas eu sinto uma dor. Aguda. Pelas tuas mãos. Ausentes.
*Sarah Vaughan and Quincy Jones (2:59) in 'Misty'
Subscribe to:
Posts (Atom)