5/31/2006
Salt Peanuts*
Henri Matisse - Le Lanceur de Couteaux - quadro XV da série Jazz
Recolhimento parece ser a palavra chave para chegar ao céu. Recolhimento. Recato. Vergonha na cara. E na ponta dos dedos. As misérias pequeninas que vivemos não se expõem assim como roupa a pingar no arame. Sobretudo se a roupa estiver rota. Ou muito mal lavada. Não se expõem assim. Nem as misérias. Nem as felicidades. Nem as paixões. Nem a morte. Nem a vida, afinal, se expôe assim. Para se chegar ao céu. De alguns. Parece que o sofrimento exige silêncio. O amor implora contenção de palavras. E a vida só pode ser vivida segundo apurados princípios que não entendo. Até desconheço. Não sou mulher recatada. Nem recolhida. Faço um barulho do caraças por tudo e por nada. Não acho que a dor, ou o seu contrário, sejam tão nossas que não possam ser ditas. Isso deve fazer de mim uma péssima pessoa. Então sou. Essa pessoa péssima. Que ouve, por exemplo, esta música. E, ao mesmo tempo, tem o descaramento. A pouca-vergonha. De sofrer. E de dizer. Que sofre. Ou que ama. Ou que se apaixona. Ou que já não ama. Ou que se enganou ou a enganaram. Ou.
Sei que nada do que aqui se escreve - dor, misérias pequeninas, amores, desamores, paixões e vida - tem qualquer interesse.
Se alguma coisa tem interesse neste lugar não são as palavras. Mas a música.
De qualquer modo eu não acredito no céu
(a menos que o céu seja um lugar onde ninguém tenha morrido, onde se ouça sempre jazz, onde se possa beber uma guinness sossegadamente e onde ofereçam amendoins salgados).
* Bud Powell, Dizzie Gillespie, Charlie Parker, The Quintet, Max Roach (3:13) in 'Jazz at Massey Hall'
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10 comments:
Poema para nada
Todo poema tem um preço.
O deste é o silêncio, o ignoto e o erro:
a voz calada em letras
– sedimentada com mel, fel
e algumas doses de absinto –
é o desvio do grito
movendo a mão e a pena
em temulento destino que,
como outro qualquer,
não sabe seu começo nem seu fim.
Falso, eu gosto imenso de vir ler as (tuas) palavras - um beijo, IO.
Obrigada Salsa.
Obrigada Io. Eu, ainda que escreva as palavras, prefiro a música.
A contenção que se exige sempre...como se fosse errado sentir, amar, sofrer...não dramatizar, não mostrar ao(s) outro(s)que se sofre, não impôr a dor, seguir sempre em frente, como se estivesse sempre tudo bem, como se a vida, as pessoas, os sentimentos fossem sempre lineares, desinfectados, sem cheiro, nem cor, nem riso, nem lágrimas...
Seguir sempre em frente como uma máquina de terraplanagem... conheço bem essa sensação.
Havemos de chegar a ser normalizados como a fruta. Como dizes... sem cor, desinfectados, sem cheiro... todos com a mesma calibragem. Com o mesmo sabor. Sem graça nenhuma. E talvez com um buraco lá dentro. Uma mancha escura, como alguma coisa que apodrece... Talvez à depressão e à solidão se possa começar a chamar 'bicho da fruta' se é que a fruta normalizada e calibrada tem bicho. Talvez tenha.
É o bicho, é o bicho, ...
Desculpa Elisa mas tinha que disparatar. Até fiquei zonza com a leitura destes textos aqui da caixa. Conhece aquele expressão agora tão em voga do "Think out of the box"??
Qual bicho, qual caruncho! :)
essa música dava uma bela banda sonora para uma telenovela mexicana...
qual bicho qual caruncho... rs... bela expressão ;-)
Descubri seu blog e me encantou o passeio que fiz. Amo o Jazz. Pra mim a música universal, a mais forte, a que melhor retrata os sentimentos humanos, ouve-se para comemorar, para o momento triste, para dançar , para namorar...para escrever. A partir de hoje, faço daqui um cantinho todo especial. Feliz de mim que o descobri.
Um grande beijo
Olá Della
Se ama o Jazz já temos qualquer coisa em comum :-).
Obrigada pela visita e pelas palavras e volte sempre.
Bjo
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