5/08/2006

So What*














René Magritte - The Unexpected Answer

Não era uma porta. Afinal. Era um coração. Quando um coração se fecha faz um barulho do caraças. Quando um coração se fecha faz um barulho i n s u p o r t á v e l. E eu à espera do buraco na porta. E eu à espera do buraco no coração. Eu. Que faço ainda eu aqui. Com este buraco cá dentro? Nenhuma resposta. Um coração fechado. Com muita força. Outro com um buraco. E depois? E então? Ninguém morreu dizem-me. Ninguém se feriu com gravidade. Repetem-me. Um acidente inconsequente, portanto. Lamentável. Mas. Ainda. Assim. Inconsequente. E depois? E então? A porta fecha. O coração fecha. O buraco há-de coser-se com linha grossa. A cicatriz ficará horrível, já se sabe. Mas ninguém morreu. Ninguém se feriu com gravidade. Voltam a repetir. Me. Bateu-se com a cabeça nas paredes. Com o carro contra uma árvore. Com a puta da existência contra o que de pior somos. A vida continua. Fácil e leve. Como sempre. E depois? E então? Ora. Há-de aparecer alguém. Numa curva lá mais para a frente. Alguém a quem se dará boleia. Alguém que. Quando te despires completamente. Verá a cicatriz horrível. Mas não te fará perguntas. Nem quererá respostas. Limitar-se-à a passar o dedo pelos altos da carne mal cerzida. E compreenderá os teus dias bons. Os teus dias (demasiado) maus. O teu lado do sol. E o teu lado (muito) escuro . Com sorte. Alguém que. Te descoserá a cicatriz e com linha de seda e mãos seguras te recuperará a pele. O coração. A porta. E depois? E então? Nada. É mesmo assim. Um coração quando se fecha faz um barulho indescritível. Quando se abre, o coração, é num silêncio absoluto e límpido. O silêncio com que estranhamente se aceitam as pessoas mortas. As pessoas feridas. As pessoas (des)conhecidas. Apesar de tudo.

* Miles Davis (9:25) in 'Kind of Blue'

5 comments:

Anonymous said...

Porra! Elisa, que belo texto. Já sei que não gostas do porra, foi o que saiu. Não serve de consolo (o belo texto), preferias com certeza estar sem buracos a escrever textos banais. Em silêncio e não neste chinfrim.
Não te serve também de consolo mas gosto muito de ti, Elisa.
Teresa

Elisa said...

Teresa
Obrigada. Bom eu ao porra prefiro um escorreito 'foda-se', como sabes. Mas porra também está bem. Não sei o que preferia, como também bem sabes... eu nunca sei o que prefiro. Ou isto ou aquilo etc etc. E como a vida não é escrita pelos argumentistas das comédias românticas, mas por nós, pobres imbecis... já não prefiro nada para não tornar as coisas piores do que já foram.
Também sabes Teresa que os chinfrins... enfim, são um bocado a minha especialidade nestas matérias. E os buracos nas portas e pronto. Sabes tanta coisa de mim Teresa (quase tudo, não é?) e assim mesmo dizes-me 'gosto muito de ti, Elisa'! E eu adoro-te mulher.

Anonymous said...

Abri a caixa de comentários para exclamar "Que bonito texto!" mas, agora, estou na dúvida se é mais bonito o texto ou esta conversa entre amigas :)

Elisa said...

Blah
na dúvida, uma conversa entre amigas será sempre mais bonita e mais valiosa que um qualquer texto. Acho eu. Como andas tu?

Anonymous said...

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