5/12/2006

Just in Time*









Salvador Dalí - The Persistence of Memory

Das palavras sobram mãos vazias. Olhos desfeitos no assombro. Boca suspensa no espanto. Das palavras sobra a sombra. Persistente. É possível. Porque tudo é possível. Escrever intensamente. Mesmo sem mãos. Sem olhos. Sem boca. É possível escrever. Intensamente. Mesmo sem sangue nas veias. Das palavras sobra a sombra. Fria. Um instante apenas. Em que nos esquecemos. Da memória. Talvez. Propositadamente. Para fingir. Ou acreditar. Tanto faz. Que além das palavras havia os gestos. E os olhos. E a boca. E as mãos. E o sangue. Das palavras assombrosas sobra a sombra. Uma sombra que se espalha. À medida que o sangue volta a ser o nosso. Uma sombra que se estende numa inundação de mágoa. Mas cresce. Mesmo a tempo. Do reencontro com a memória. Dos gestos lá atrás. De tal modo intensos. Que as palavras não lhes beberam o sangue. Mesmo a tempo. Recupera-se a memória. Mesmo a tempo. Respiramos. Mesmo a tempo. O sangue corre. Os olhos desassombram-se. A boca encontra o beijo. Os gestos voltam às mãos. Mesmo a tempo. Encontramos a memória. Mesmo a tempo. Perder-nos-emos. Outra vez.

* Sonny Rollins (3:55) in 'The Freelance Years: The Complete Riverside and Contemporary Recordings' - Disco 3

5 comments:

Carlos said...

Gosto muito de uma versão do "Just in Time" da Nina Simone, num CD do início dos anos 60, ao vivo no Village Gate. O quadro do Dali vi-o no Centro de Arte Rainha Dona Sofia, em Madrid, e devo dizer que é um dos meus preferidos do pintor.

Já agora, perdermo-nos é, por vezes, o mais importante, não é? Não é necessário responderes...

Elisa said...

Olá Carlos
Curiosamente estava a ouvir o Just in Time pela Nina Simone quando li o teu email... Tenho o CD e gosto imenso da~versão da Nina. Mas isto começa a ser repetitivo... conheces a minha admiração pela Nina... a minha cantora. Ponto. Também adoro o Museo Reina Sofia (já não vou lá há uns bons 5 ou 6 anos, infelizmente) e também vi lá este quadro de Dalí
Perdermo-nos é importante sim. Apesar de não ser necessário que responda... sabes que quando pensas que encontraste alguma coisa ou alguém e depois... por um disparate qualquer... ou por uma coisa qualquer... perdes essa pessoa de uma determinada forma... embora saibas que outras pessoas se encontrarão... a sensação é horrível. Enfim. Coisas que acontecem às pessoas. Pelo menos aquelas que apesar de tudo ainda arriscam perder(se) e encontrar(se).

Elisa said...

email não... o teu comentário que me chegou (como todos) por email.

Carlos said...

É esse risco de perder e de encontrar que é importante. Correr esse risco faz parte de estar vivo. Deixar de o correr é morrer. Digo eu.

Elisa said...

E eu acho que dizes bem :-)