6/19/2006

Parallels*

















Jackson Pollock - Male and Female


Viveremos. É verdade. Que viveremos. Tu contra o que te dei. Eu a favor de quanto me ofereceste. Paralelos. Viveremos. Como duas linhas que jamais se encontrarão. Tendo-se já encontrado. Como duas margens de um rio. Juntas na nascente. Mas depois. Transportando a água. Para outra água. Viveremos. Certamente. Viveremos. Afastados da nascente. Velozmente. Procurando. Outra água.
Não sei onde te perdeste dos meus olhos, se ainda os tenho. Não sei onde te desencontraste das minhas mãos, se ainda são minhas. Não sei onde te esqueceste do meu corpo, se ainda o sinto. Não sei onde deixaste a minha boca. Se ainda a tenho aberta à espera dos teus dedos. Um por um. Não sei para onde foste, se ainda aqui te encontro. Mas creio saber que te vestiste. E mesmo assim. Entraste. Nessa outra água que não transporto. Enquanto eu continuo nua. Nua como quando foste tu que me vestiste. Mas de gestos. Nua como quando também estavas nu. Como quando nascíamos da mesma água e nos fazíamos dançar. Uma e outra vez. Como quando corríamos no mesmo rio. E não tínhamos margens a limitar a nossa dança. Nua à espera que regresses. Sabendo já que. Viveremos. Seguramente. Viveremos. Paralelos. Os meus olhos já esquecidos. As minhas mãos já sem magia. O meu corpo sendo apenas o meu corpo. A minha boca à procura da tua, na expectativa da água onde (nos) dançaríamos. Outra vez.

*Keith Jarret (4:58) 'Dark Intervals'

5 comments:

va said...

Viver em paralelo de alguém que amamos. Viver com a falta de um corpo que era a continuação do nosso. Não sei como se vive assim. Vive-se. Com um vazio enorme. Transportando a ausência que deixaram em nós.
Bjo.

Elisa said...

Viveremos. Não é, Vanessa? Às vezes a não querer. Viver. Assim.
Beijo

Anonymous said...

Olá Elisa. Passei por acaso (um pouco sem acaso, confesso!) e gostei das tuas palavras. Simples; sinceras; vêm das profundezas de ti,certamente. Somos pássaros feridos. Carregamos as Pedras (a angustia) e seguimos...até onde?
Bjs

Elisa said...

Olá Guilherme
por acaso sem acaso, interessa pouco, se passaste. De onde me virão as palavras? Não sei. Não sou um pássaro (mas tenho pena) e não estou ferida (mas já estive). Não carrego pedras. Não sou angustiada. Sigo embora não saiba para onde, nem me importe com isso.
As palavras são apenas as palavras, que escrevo, porque gosto de escrever. Essa é a única razão. Essa e a música.
Bjo

Elisa said...

queria dizer, acima, não importa se foi por acaso ou sem acaso, o que importa é que tenhas passado.