6/29/2006

Anything Goes*










Juan Miró -Mujer soñando la evásion


Hoje este blog faz um ano. Este blog é sobretudo o jazz. É azul. Mas nem sempre é triste. Às vezes é. Como a vida e tudo mais. Está tudo azul. Ouve-se jazz. Um deus passeia-se comigo pela brisa das tardes**. E aqui dentro há uma espécie de calma reconciliação com tudo o que fui, sou, serei.

* Brad Mehldau Trio (7:07) in 'Anything Goes'

** Descaradamente baseada no título do livro de Mário de Carvalho - Um Deus Passeando na Brisa da Tarde

6/20/2006

Laughing At Life*










Salvador Dalí - Paysage aux Papillons

«Bad, mad and dangerous to know».
Gostei tanto desta definição, Carlos, que te dedico este sorriso da Billie. Enquanto eu mesma sorrio. As borboletas estão só na paisagem. Que é seguramente um local adequado às borboletas, quando se anuncia o verão.

* Billie Holiday (2:54) in 'The Lady Sings'

6/19/2006

Parallels*

















Jackson Pollock - Male and Female


Viveremos. É verdade. Que viveremos. Tu contra o que te dei. Eu a favor de quanto me ofereceste. Paralelos. Viveremos. Como duas linhas que jamais se encontrarão. Tendo-se já encontrado. Como duas margens de um rio. Juntas na nascente. Mas depois. Transportando a água. Para outra água. Viveremos. Certamente. Viveremos. Afastados da nascente. Velozmente. Procurando. Outra água.
Não sei onde te perdeste dos meus olhos, se ainda os tenho. Não sei onde te desencontraste das minhas mãos, se ainda são minhas. Não sei onde te esqueceste do meu corpo, se ainda o sinto. Não sei onde deixaste a minha boca. Se ainda a tenho aberta à espera dos teus dedos. Um por um. Não sei para onde foste, se ainda aqui te encontro. Mas creio saber que te vestiste. E mesmo assim. Entraste. Nessa outra água que não transporto. Enquanto eu continuo nua. Nua como quando foste tu que me vestiste. Mas de gestos. Nua como quando também estavas nu. Como quando nascíamos da mesma água e nos fazíamos dançar. Uma e outra vez. Como quando corríamos no mesmo rio. E não tínhamos margens a limitar a nossa dança. Nua à espera que regresses. Sabendo já que. Viveremos. Seguramente. Viveremos. Paralelos. Os meus olhos já esquecidos. As minhas mãos já sem magia. O meu corpo sendo apenas o meu corpo. A minha boca à procura da tua, na expectativa da água onde (nos) dançaríamos. Outra vez.

*Keith Jarret (4:58) 'Dark Intervals'

6/14/2006

Just Say I Love Him*















Paul Klee - Remembrance of a Garden

Quero dizer que o amo. Ainda. Não me custa amá-lo. Ainda. Nem não o ter. Como o tive. Completamente nu. Evidente. Não dele. Mas meu. Quero dizer que o amo. Ainda. A sua nudez. A sua evidência. Não me custa amá-lo. Apesar de não ser já meu. Não me custa amá-lo. Apesar de o ter deixado ir embora. Já tão vestido. Amo-o. Chove. E eu preciso dele. Apesar de já não o ter. Não me custa precisar dele. Chove. E eu preciso dele. Como as flores precisam da água que não nasce da terra, mas do céu. Quero dizer que o amo. Agora. Que ele caminha por outra cidade. Outra estrada. E já não é meu. Alguém o há-de ter. Como eu o tive. Alguém o verá dormir. Como um menino. Respirar. Como qualquer pessoa. Alguém o terá. Evidente. Nu. Sem ser dele. Mas quero dizer. Assim mesmo. Que o amo. Que preciso dele. Como as flores precisam da chuva. Quero dizer que me lembro. Do jardim que nascia nos seus olhos. Chove. Ninguém lhe dirá. Nem eu. Que ainda o amo. Porque não importa.

* Nina Simone (6:35) in 'Forbidden Fruit'

6/09/2006

Chair in the Sky*
















Pablo Picasso - Woman in an Armchair


Uma cadeira de braços. No céu. Ou a partir de onde eu imagine o céu. Com estrelas. Demasiadas. Um céu de inverno. Com improváveis estrelas. Frio. Uma cadeira de braços. E eu sentada nela. Tão intactos quanto possível. A cadeira. O céu. Uma intacta cadeira num intacto céu de inverno com estrelas de intacto brilho. Improváveis. E eu. Provavelmente desfragmentada. A esquizofrenia de que (ainda) não padeço porque a reconheço quando chega. Talvez já esteja nos braços da cadeira. À espera que eu me sente e tente. Reunir fragmentos do que sou e serei. E do que fui. Se. Um dia tiver uma cadeira de braços. Intacta num intacto céu de improváveis estrelas de brilho intacto. Acho que serei. Uma velha mulher. Apenas sentada numa cadeira. De braços. No céu.

* Mingus Big Band (9:05) in 'Live in Time' - Disco 2

6/05/2006

Que Pasa?*















Anselm Kiefer - Falling Stars


Nada. Não se passa nada. Absolutamente nada. Excepto só me apetecer estar dentro deste quadro de Kiefer. Deitada na erva. A olhar para o brilho das estrelas (o que me falta a mim) e não fazer nada. Absolutamente nada. Talvez pensar em ti. Perguntar às estrelas: Que pasa? E elas vão responder-me que te sentes assim feliz como eu. Por nada se passar. Por estar tudo bem. Por estares noutro sítio qualquer. Deitado noutra erva. A contemplar o brilho das estrelas. Não outras. Mas exactamente. Absolutamente as mesmas. Não se passa rigorosamente nada. E no entanto. É como se vivessemos a absoluta comunhão de tudo. Ainda. Na contemplação das estrelas. Na felicidade sossegada que é nada se passar. De podermos. Ainda. Embora cada um por seus caminhos. Deitarmo-nos na erva. E olhar para o brilho das estrelas. Com a cara toda.

* Horace Silver (7:47) in 'Song For My Father'

6/02/2006

All Right, Okay, You Win*

















Jackson Pollock - The Moon-Woman


Agora. A lua está tão crescente. E eu estou assim. A ver se não mirro. Agora. Vamos dar ritmo às estrelas. Esquecer que estão mortas. Agora. Só me apetece ser feliz. Deve ser destas noites carregadas de flor. Cobertas de cheiros. Agora. A mim também. Só me apetece estar em flor. Crescente de de dias claros. Grávida como as árvores de fruto. Coberta do cheiro das giestas e do jasmim. Deitar-me nua contigo nas ervas quentes. E fingir. Que estou na lua.

* Peggy Lee (2:53) in 'The Best of Miss Peggy Lee'