2/24/2006

Speak No Evil*













Paula Rego - No Deserto

Passar pelas pessoas sem lhes causar dano. Não usar as palavras erradas. Nunca. Não causar dano. Não dizer nada que magoe. Ofenda. Doa. Ou mesmo. Toque. Ser invisível. Estar no meio de coisa nenhuma e ser invisível. Não existir. Não desejar mal. Ou bem. Não desejar. Não fazer mal. Não fazer bem. Não fazer nada. Estar sem ser vista. Sentir sem ser sentida. Não pressentir. Não anunciar. Não usar palavras. Calar-me. Estar no deserto. Só. Ajoelhar-me. Pedir que não me façam mal. Ou bem. Ou nada. Não querer que queiram nada de mim. Não querer nada. De ninguém. Nunca.

* Wayne Shorter (8:21) in 'Footprints: The Life and Music of Wayne Shorter' ou in 'Speak No Evil'

2/10/2006

Let's Face The Music And Dance*











Picasso - Mulheres correndo na praia

Tempos difíceis. Já sabemos. Antes que nos peçam para pagar uma qualquer conta que o carteiro não nos trouxe (mesmo se as contas. Sejam já a única coisa. Que o carteiro nos traz)... será bom lembrarmo-nos que haverá sempre qualquer coisa que nos é oferecida. Luar. Música. Amor. Romance. Mesmo que a conta a pagar seja alta. Por nos termos esquecido de qualquer coisa. Lá atrás. Ou por termos dado tudo. Mais adiante. Lembremo-nos que por enquanto ainda há. Luar. Música. Amor. Romance. E palavras para ler e para dizer. Palavras diferentes. De Problemas. De contas. De deves. E de haveres. E de teres. Palavras que nada custam. Movimentos que não encerram intenções. Por enquanto ainda há. Boas inquietações. E razões. Para enfrentar a música e dançar. Como se não viessem daqui a pouco. As contas. Para pagar.

*Escolhi para o Carlos Azevedo a versão da Anita O'Day (3:16) in 'Pick Yourself Up'
Mas gosto também destas versões:
Ella Fitzgerald (2:56) in 'The Complete Ella Fitzgerald Song Books'


Sheila Jordan (1:15) in 'Portrait of Sheila Jordan'


Diana Krall (5.18 ) in 'When I Look in Your Eyes'

2/03/2006

A Song I Used to Play*












Eu antes sabia cantar. Fiava. Sabia. Cantar. Canções. Nos fios. Que fiava. Sabia. Cantar. Eu antes era. O que sabia. Hoje sou. O que já me esqueci. Tecidos os fios. Que fiei. Cantadas as canções. Que sabia. Eu antes desconhecia. Que há música bastante nos mapas que as rugas traçam. No entrelaçado das fibras. Eu antes sabia. Cantar. E fiar. Hoje sei que a música se calará. Que não se fia a vida. Só se tece. E entrelaça.

* Arild Andersen (2:45) in 'A Molde Concert'

2/01/2006

What Do You Want?*



Maria, que me queres?** A mim, que me esforço por evitar correntes, a não ser as dos afectos e possuo bem mais manias que cinco? Que me queres tu, Maria? Que exponha as minhas pequenas idiossincrasias, já que as grandes, nem às paredes confesso, quanto mais aos telhados de vidro da blogosfera!? Pois, Maria, eu se pudesse resumir-me, dir-te-ia que tenho
- A mania de acreditar. De achar que é sempre tudo novo. Mesmo que nada mude. E que tudo, indefinidamente, se repita.
- A mania de gostar de palavras. Da palavra vento. Da palavra casa. Da palavra pedra. Da palavra inquietude. Da palavra árvore. E de girassois.
- A mania completamente prosaica das limpezas. E da ordem. Mania que me custa muitas tarefas, incluindo as que não pedi. E as que não gosto.
- A mania de cheirar os livros, quando os abro. Os novos e os velhos. De reconhecer neles qualquer coisa que os olhos não detectam. Nem os restantes sentidos.
- A mania de dizer muitas vezes a mesma coisa. Aos outros. E a mim.
Não sei, Maria, se era isto que me querias.
Não sei, Maria, se os meus escolhidos continuarão a corrente.
- improvisos ao sul
- a forma do jazz
- a espuma dos dias
- a natureza do mal
- mentes inquietas

*Pat Metheny (5:24) in ' Trio 99>00'
** Parece que se tratou de um repto lançado por En Defensa de Occidente a um Misantropo Enjaulado (há outra maneira de ser Misantropo?) e que temos que listar cinco manias.