10/20/2005

Conference of the Birds*













Pois. Eu sei. As gaivotas abeiram-se das janelas. E gritam. Gostava de gritar assim. Contra o que me apetecesse. Ou contra ti. As pessoas são como pássaros. Se quisermos… gaivotas. Abeiram-se das janelas. Voltam para trás. Descrevem círculos imperfeitos. Tudo começa com uma asa. Devagar. Depois tudo entra em decomposição. Penas. As gaivotas acertam os círculos do voo. As pessoas não. Complicam. Descomplicam. Fazem tudo depressa demais. Não voltam atrás. Ou se voltam trazem sacos cheios de mágoas. Não sabem voar com eles. Nem atirá-los pela janela a que se abeiram as gaivotas. Não quero dizer adeus. Porque não sou capaz. Mas não quero continuar este imperfeito voo. O tempo acabou. Um dia pode ser que conferenciemos. Devagar. Agora não. Doem-me as asas. Doem-me os ossos. Tenho as janelas fechadas. E tu nem sequer pedes desculpa. Por me teres partido as asas e os ossos. Por me teres feito abrir janelas, fechadas, sabendo que haverias de me obrigar a fechá-las outra vez. Por teres voado até aqui. Sem consequências.

* Dave Holland Quartet (com Barry Altschul; Sam Rivers e Anthony Braxton) (4:42) in ‘Conference of the Birds’

13 comments:

João Oliveira Santos said...

porra, não fui eu pois não? :O

Elisa said...

Jos
Claro que não. E textos com jazz?

almaro said...

Fecho os olhos.
Encerro-me!
Sou gaivota-de-rio que voa com o universo.
Oiço-me num pintar constante que se estilhaça em cores,
no verso…
Fecho os olhos.
Sou-me!
Partícula,
ínfima.
Reflexo de mar,
diluída,
no amar,
da vida…
Fecho-os,
na intimidade de uma tela,
navego no prazer de existir, na “infinitude” que me absorve.
Sinto o que me dissolve…
Fecho os olhos,
em abraço, a fluir…
Sou gaivota,
rio,
jangada sem vela,
a partir…

Carlos said...

Morreu a excelente cantora e pianista Shirley Horn. Por favor, disponibilize uma canção dela para que todos os interessados possam ouvir. Eu só não o faço porque não sei.

Elisa said...

Carlos
Com certeza.

Carlos said...

Obrigado, Elisa.

mentes inquietas said...

"As pessoas são como pássaros. Se quisermos… gaivotas. Abeiram-se das janelas. Voltam para trás."

Este verão, apreciando a paisagem foquei me numa das janelas da vila onde me encontrava. Lá estava uma criança tentado dar um pouco de comida a uma gaivota. Lá estava a gaivota a abeirar se da janela, voltar atrás, e regressar. Tentando sempre apanhar o que a criança tinha para lhe dar. (Captei um desses momentos.Se quiseres podes vê lo no meu "sítio").
Numa das tentativas, a gaivota feriu a mão da criança.
Talvez tenhas razão, Elisa...as pessoas às vezes são como as gaivotas...às vezes incompreenssíveis...

Casimiro
http://mentes-in-quietas.blogspot.com/

Elisa said...

De nada, Carlos. Aliás, obrigada eu.

Elisa said...

Casimiro
talvez tenha razão, sim. Talvez.

Anonymous said...

“as pessoas são como pássaros”

mas as pessoas não são pássaros
não podem gritar contra o que lhes apetece
não entendem a natureza imperfeita de seus voos
não conhecem a verdadeira essência das suas assas
não sabem abeirar-se das janelas, tão pouco evitar as gaiolas
não sabem partir no inverso para regressar na primavera
não sabem se poderiam ser como pássaros, sem o serem


margem

Elisa said...

mas poderiam?

Anonymous said...

se poderiam ser pássaros?

margem

Elisa said...

sim, se poderiam... se soubessem como ou se quisessem muito... poderiam?