9/26/2006

It's All In The Game*














Grafitti numa parede de Portalegre, Agosto de 2006


Diz-me o Carlos que eu sou capaz de dizer seis (mais seis?) coisas sobre mim. Duvido que saiba seis (mais seis?) coisas sobre mim. Ou mesmo que essas seis (mais seis?) coisas sobre mim sejam verdade. Eu sou uma mentira que fala sempre verdade (era Cocteau quem dizia isto?). As verdades são sempre duras...it's all in the game:

1. Gosto de fumar. Muito. Talvez seja certo que morrerei de cancro. E eu tenho medo de morrer. Mas acendo um cigarro e mesmo as coisas que sei de mim me parecem mais suportáveis e por isso sigo Fumando*


* Chano Domínguez (4:03) in 'Iman'

2. Às vezes apaixono-me violentamente pelas pessoas, ainda que, em geral, não goste muito delas. É um pouco triste esta coisa que sei de mim, mas sim I Fall In Love Too Easily (I Fall in Love Too Fast)*


* Chet Baker (3:18) in 'My Funny Valentine'

3. Diz Enrique Vila-Matas quando viajas só, o estranho és sempre tu. Ainda assim estranhamente, gosto muito de viajar. Sózinha. Ou seja, Travelin' All Alone*


* Billie Holiday (2:15) in 'Lady Day'

4. Eu tenho a mania que sou grande, mas na verdade sou muito pequena. E com tendência para a melancolia. Basicamente uma Little Girl Blue*


* Diana Krall (5:38) in 'From This Moment On'

ou (como sempre)

* em versão Nina Simone (4:12 ) in 'Little Girl Blue'

5. Embora às vezes diga nunca mais, eu olho para as coisas a seguir como se fosse sempre a primeira vez e sim, acredito sempre que This Could Be The Start Of Something*


*Oscar Peterson (4:43) in 'Night Train'

6. Eu tenho medo. Mas digo sempre que não. Medo de morrer. Por exemplo. E então eu canto. Canto só para saber que ainda estou viva... ou numa muito melhor versão I Sing Just to Know I Am Alive*


* Nina Simone (1:12 ) in 'My Baby Just Cares for Me'

Em suma, sei seis (mais seis) coisas sobre mim. Sei por exemplo (embora não possa por aqui a música) que Mon coeur est rouge (Keith Jarrett, digamos... em Nápoles, em 1996). E acho que sabendo isso nem seria preciso saber mais nada. Mas (mais) seis coisas são sempre um bom pretexto para ouvir (mais) música.

E agora BlahBlah e tu? TalvezMeEscrevas seis coisas sobre ti?

E agora Luís e tu? Seis coisas da tua Natureza do Mal?


* Keith Jarrett, Jack DeJohnette, Gary Peacock (6:47 ) in 'The-Out-of-Towners

9/23/2006

Fingerprints*













Joan Miró - Personnage Blessé

Atravessei a madrugada. Os olhos grandes. A água. Os dedos. Atravessei a madrugada como quem grita, sendo mudo. A noite imensa. A escuridão de quem é cego. E depois a luz. O dia. Então dormi como os animais dormem. De um sono cego. De um sono mudo. E acordei como acordam os animais esquecidos. Sem olhos. E sem boca. Inexistente. A dor como uma faca. O sangue. Um rio. E odiei como odeiam os animais feridos. Com a força cega. Com o sangue quente. Com os dentes todos. Com as patas levantadas. E odiei como os animais odeiam. E gritei como os mudos gritam. Girassol. Vento. Estrela. Sangue. Noite. Mãos. E nunca mais vi o mundo. Pela primeira vez. E nunca mais ouvi a música. Pela primeira vez. E nunca mais toquei. Pela primeira vez. E nunca mais acabo de morrer.

* Chick Corea (5:20) in 'Past, Present & Futures'

9/21/2006

Once I Loved*




















Georgio De Chirico - La nostalgia dell'infinito


A única evidência, além da música, é que o amor é a coisa mais triste, quando se desfaz**. Sei quase nada. Mas sei. Dessa infinita tristeza. Dessa nostalgia infinita. Sermos pequenos como as nossas sombras. E desejarmos abismos. Sei dos abismos e das alturas. E das vertigens e das quedas. Sei até das mentiras. E das verdades mais duras. Sei quase nada. Apenas sei (porque me ensinaram) que pensar é estar doente. Dos sentidos. Mas pior. A única evidência, além da música, são as palavras apagadas uma a uma. Sei da nostalgia. E da inquietude. E da esperança. Sei do infinito das paixões violentas. E do instante do amor em paz.

* Shirley Horn (6:50) in 'Close Enough For Love'

** Tom Jobim e Vínicius de Moraes O Amor em Paz, de que a música que toca é uma versão.

9/18/2006

The Wind*








Jackson Pollock - Autumn Rhythm


Só isto. Por uma vez. Só isto. Ouvir o vento. E estar certa. Não sei que coisas transporta o vento. Mas penso que música. Definitivamente música. Mas parece que também um coração partido. Daquele exacto modo em que as flores se partem, depois de quebradas por um excesso de água. Ou uma extrema ausência. Não sei que coisas traz o vento. Definitivamente a música. Incertamente uma flor partida. Um coração quebrado por uma extrema ausência. De si mesmo. O vento traz. Talvez. A inconstância dos dias em que temos que ser. Mais. Para além do vento. Em que temos que ser. A flor partida. O coração quebrado. A música que estranhamente se vai esvaindo. Só isto. Por uma vez. Só isto. Ouvir o vento. E estar certa. Que as flores se partem. E. As folhas dançam no Outono exactamente ao mesmo ritmo que os corações quebrados batem. Ouvir o vento e estar certa. De que sou daqui. E as pessoas daqui... sabem? As pessoas daqui não são iguais às outras. São estranhas pessoas. As que ouvem o vento. E únicas. De certo modo únicas. Como é único cada movimento. Do vento.

* Quoyle (4:03 ) Round About Midnight

9/14/2006

Inquietude*











Anselm Kiefer - Cette obscure clarté qui tombe des étoiles

Sabemos dos truques das estrelas. Carregamo-los dentro. Como intermitentes brilhos. De mágoa. E felicidade. Intermitentes. Sabemos que a luz das estrelas pode ser obscura. E que é por baixo da luz que, tantas vezes, encontramos os lugares da mais profunda escuridão. Esses lugares de tão intensa claridade. Que nos fazem fechar os olhos e querer. Desaparecer. Deixar de ser. Deixar de sentir. Ficar como antes. Com uma claridade vulgar. Uma vulgar escuridão. Não ter. Não ver. Não perceber. Sabemos. Dos truques das estrelas. Dos seus intermitentes brilhos. Da sua instável condição. Morrer primeiro para que tudo possa ser claro. Dessa inquietude profunda. De haver. Para além de um escuro céu sereno. O brilho.

* Bernardo Sassetti (3:54) in 'Indigo' - Disco 1

9/11/2006

Over the Rainbow*












Jackson Pollock - Greyed Rainbow

O mundo nunca foi um lugar seguro. Mas, apesar das suas mais feias faces, o mundo é ainda um belo lugar. Há e houve sempre notas de esperança. Na música. E. Estou segura. Na humanidade.

* Keith Jarrett (6:02) in 'La Scala'

9/06/2006

Solitude*













Anselm Kiefer - Innenraum (Interior)


Um quarto. Vazio. Eu. Encontrei a minha casa. Longe demais. Longe. Haverá sempre música bastante. Não sei que histórias conte. A solidão levar-nos-á para sempre. Aos lugares que conhecemos. Já. Um quarto. Vazio. Na minha longínqua casa. Agora encontrada. Sobre o vazio. Dentro. Haverá sempre música. E uma voz. Longe. A minha casa.

*Abdullah Ibrahim (0:16) in 'African Magic'

9/01/2006

Misty*














Gustav Klimt - The Kiss

O desejo de uma boca não é grave. Mas é aguda esta pontada de espanto com que te vejo advinhar-me os passos. Os passos interiores. À tua volta. Vou fumar. Vou fumar, para que me passe esta grave vontade de que continues advinhando os meus lábios. Imaginando com os dedos a forma como te respondem quando perguntas se acredito que sentes exactamente o que eu penso. O desejo de uma boca não é. Grave. Mas eu sinto uma dor. Aguda. Pelas tuas mãos. Ausentes.

*Sarah Vaughan and Quincy Jones (2:59) in 'Misty'